Angola sua oportunidade pode estar aqui
Angola é um país em obras divididas por empreiteiras brasileiras, nas quais a Odebrecht aparece como a principal quanto ao volume, além de portuguesas e chinesas. Os chineses foram os últimos a desembarcar por aqui, mas já formam o maior contingente. Ninguém sabe ao certo, mas dizem que já são mais de 600.000 deles espalhados pelo país – dá algo como 3% da população. Trabalhando em turnos que causam inveja pela velocidade das obras e disposição para trabalhar 24 horas por dia e sete dias por semana. E, num fenômeno esperado, começaram a se integrar à sociedade de forma tão forte que a primeira geração de crianças sino-angolanas já começa a dar seus passos.
Os chineses começam a tomar um espaço no coração das angolanas que até agora era dos brasileiros. Nós entramos nas casas todos os dias através das novelas da Rede Globo e da Rede Record. É inegável e surpreendente a influência da cultura brasileira por aqui. Nossa moda e costumes estão por toda parte. Na música, nos restaurantes, nas roupas, nas gírias dos jovens. O maior mercado de Angola chama-se Roque Santeiro. E há também o mercado Beato Salú. Sacoleiras desembarcam diariamente no aeroporto com sacolas abarrotadas de roupas que são vistas na última novela das oito do Globo. Cantores brasileiros chegam até aqui para estadas de quatro dias, tempo suficiente para um show e a gravação de um comercial. Também aproxima brasileiros e angolanos o passado de colônias que se livraram de Portugal. Há muito tempo e sem guerras, no caso do Brasil. E há 33 anos e com uma guerra de 20 anos, no caso dos angolanos.
Às voltas com taxas de crescimento que rondam os 20% nos últimos cinco anos, o país tem se transformado no mais recente Eldorado de uma legião de empreendedores. Associados sempre a angolanos, esses empresários chegam diariamente a Luanda em voos lotados da TAP, TAAG e SAS. Há uma crença geral de que vale a pena explorar qualquer atividade econômica por aqui. Há demanda por tudo e restrições de oferta de toda ordem. Também colabora para essa situação o fato de a economia estar baseada fortemente na exploração de petróleo e minerais (principalmente diamante e ouro). Em tempos de barris de petróleo nas alturas, há uma natural liquidez no mercado provocada pelas petrolíferas e companhias mineradoras.
Diante da escassez de mão de obra especializada, essas empresas operam com mão de obra estrangeira que, evidentemente, condiciona sua vinda para cá às custas da manutenção de um padrão de vida similar aos de seus países de origem. Tudo isso faz com que Luanda seja uma das cidades mais caras do mundo para viver. Quer alugar um apartamento no centro com dois quartos? Quatro mil dólares com contrato de dois anos e pagamento adiantado. Almoço rápido com uma Coca-cola? Separe 25 dólares. E não espere qualidade, conforto, opções e pontualidade, como se espera noutros cantos. Opções de restaurantes também não há. São poucos e a culinária invariavelmente segue uma linha portuguesa com muitos peixes, frutos do mar, carneiros etc. No início é gostoso para um brasileiro, mas em pouco tempo começamos a ter saudades de arroz, feijão, pizza e churrasco.
Aqui cabe uma explicação. Qualquer pessoa, angolana ou estrangeira, chama a capital de Luanda, como se Luanda fosse um município. Na verdade, Luanda é uma província composta por nove municípios que formam uma grande região metropolitana. Moram em Luanda aproximadamente quatro milhões de habitantes. A população total do país gira em torno dos 16 milhões. Todos esses números são estimados pois não há registros de censos demográficos nos últimos 30 anos. Em geral, os angolanos inflacionam todos os números que dizem respeito ao país com indisfarçável orgulho.
Luanda deve ter sido uma bela cidade até o fim do período colonial (1974). Às margens de uma grande baía, cercada por palmeiras, a cidade tem nessa região a área mais valorizada. É onde belíssimos prédios coloniais (a maioria em total estado de abandono) convivem com os moderníssimos arranha-céus construídos pelas petrolíferas para instalação de seus escritórios. Isso forma um grande contraste na arquitetura da cidade: prédios coloniais abandonados, arranha-céus high tech e esgoto correndo a céu aberto na sarjeta. Aliás essa é uma característica de Luanda. Por melhor que seja o ambiente em que você esteja, quando sair trombará com a realidade sob a forma de esgoto, lixo, buracos nas ruas, prédios abandonados, poeira e trânsito. Muito trânsito.
O primeiro sinal de urbanização feita de forma planejada aparece ao sul de Luanda, em Luanda Sul. Esse pedaço da capital foi todo urbanizado pela Odebrecht com largas ruas e avenidas. A construção do primeiro shopping center do país nessa área indica que esse será o polo de desenvolvimento da cidade. Os melhores condomínios estão ali e outros tantos, novos, vão sendo construídos para atender à demanda das grandes empresas e seus expatriados.
Dizem que o angolano (homem) gosta de carros, celulares e mulheres. Nessa ordem. E isso parece ser fato. Você vê nas garagens de edifícios residenciais, em completo estado de degradação, carros que estarão expostos no próximo Salão do Automóvel de São Paulo. Saia do centro, vá para as periferias, e lá estarão circulando Porsches, BMW, Mercedes, Range Rovers e outras estrelas da indústria. Tudo isso misturado a milhares de carros importados da Europa e Estados Unidos em lastimável estado de conservação. Possivelmente não só Angola, mas outros países da África, estão se transformando nos lixões automobilísticos do Primeiro Mundo.
Não há transporte público no país. Nem mesmo táxis. Então a população usa serviços de vans, chamadas de candongueiros. Todos candongueiros estão padronizadas com uma pintura azul na metade inferior e branca na superior. São milhares rodando pela cidade, sempre lotadas de passageiros. Como o trânsito é um caos e os congestionamentos são onipresentes a qualquer hora do dia, os candongueiros fazem de tudo para conseguir ir de um ponto ao outro no menor espaço de tempo, aumentando suas receitas. Vale andar na contramão, não respeitar sinais ou subir nas calçadas. (Saudades do trânsito de São Paulo.)
Para montar uma empresa em Angola, a associação de empresários estrangeiros e angolanos é obrigatória e deve-se a duas razões básicas: legislação e pragmatismo. A legislação apresenta resquícios de uma economia que viveu seu período comunista e a formação de uma empresa não é possível com capital 100% estrangeiro. O pragmatismo prende-se ao fato de que, sem alguém que o apresente, abra as portas e explique todos os caminhos na selva de burocracia e corrupção, torna-se virtualmente impossível operar no mercado.
Pegue, por exemplo, um processo de importação com seus necessários 26 formulários/documentos. Não tente procurar em um site quais são esses 26 papéis. E não acredite numa relação que alguém possa lhe entregar. Provavelmente essa não será a lista certa. Pense em como/quanto/para quem pagar 26 ‘gasosas’ para que seu processo seja concluído. Sem um angolano ao seu lado, possivelmente essas barreiras acabariam com seu negócio no primeiro mês de vida.
Mas, a partir do momento em que sua mercadoria chega ao mercado, aproveite. Você venderá o que tiver, pelo preço que quiser e entregará quando puder. Não deverá dar garantia, assistência ou manutenção. E perderá grande parte do dia recusando novos pedidos. E se o sócio angolano for do partido do governo, aí você estará no paraíso. Terá portas abertas para vender para o governo nas licitações e concorrências em condições ainda mais vantajosas de preços e com baixos níveis de exigência. Claro que compartilhando uma parte dos lucros com quem decide a compra nas várias etapas do processo.
Isso tem formado uma elite de empresários que tornam-se milionários da noite para o dia e que passam assim a formar um mercado ávido por consumir e que alimenta a cadeia de elevação de preços.
Mas toda essa vitalidade da economia não tem trazido desenvolvimento. Com uma população com mais de 90% de analfabetos, 80% sem acesso a água potável e sistema de esgoto, igual percentual sem acesso à rede de energia elétrica e um brutal desemprego, a pobreza é visível e inevitavelmente próxima. Iniciativas tímidas do governo vêm sendo tomadas em várias frentes da saúde, educação e infra-estrutura. Mas frequentemente essas ações soam eleitoreiras, populistas, ineficientes e insuficientes. Há uma consenso entre a população angolana mais esclarecida e economicamente ativa de que as medidas adotadas até agora não tirarão o país da situação atual. As demandas sociais básicas por saúde, educação e moradia superam em larga escala aquilo que é oferecido.
O debate tende a se tornar mais acalorado com a aproximação das prometidas eleições legislativas de 2008, as primeiras em 30 anos. Uma ainda incipiente oposição acusa o governo de não promover as reformas necessárias como forma de manter um maior controle sobre a população (ou eleitores na leitura da oposição). Aponta que as ações nas áreas sociais são feitas com o objetivo de manter o status quo e garantir a perpetuação no poder. E questionam o destino dos bilhões de dólares que jorram dos poços de petróleo.
Não há dúvidas que uma parte desse bilhões estão indo para as inúmeras obras de recuperação das infra-estruturas do país. Por todo lado de Luanda, abrem avenidas, restauram-se redes de água e esgoto, instalam-se postes da rede elétrica. Nas províncias, estradas são recuperadas dos danos causados por 20 anos de guerra e trens começam a circular em estradas de ferro novas. Mas não se encontra nessa mesma escala construções de novas escolas, novos hospitais ou moradias populares. Como seu houvesse um enorme lobby de grandes empreiteiros (e certamente há) obras de infra-estrutura de vultuosos valores e incalculáveis possibilidades de corrupção, suborno e comissões são aprovadas e iniciadas à toque de caixa. Obras cuja visibilidade ou retorno sejam de longo prazo não despertam as mesmas paixões pelas pessoas que detém a chave do cofre. O que, aliás, não é novidade para alguém que veio do Brasil.
Apesar de tudo isso, o angolano é um povo alegre e orgulhoso de sua terra. Tudo é motivo para festa e para música. Todos dançam e dançam bem. Os ritmos daqui mais populares são a kinzomba, o kuduro e a tarraxinha. A kinzomba é uma música alegre para dançar agarradinho. Soa para mim como algumas músicas do norte, tipo Calypso. Kuduro dança-se como um funk. E a tarraxinha é dançada apenas pelas moças com gestos pra lá de provocantes. O nome é quase auto-explicativo. Dançam nas festas e dançam nas ruas. Nos fins de semana, os jovens vão até a ‘ilha’ (na verdade a porção sul da baía), abrem os porta-malas de seus carros e fazem suas festas ao ar livre. Tudo regado a quantidades industriais de cerveja. Nos domingos, quando é fim de tarde, a mistura de jovens, carros, música e cerveja resultam invariavelmente em confusão e brigas. Apesar de brasileiros serem bem tratados e bem aceitos, no caso de confusão, é melhor ficar bem longe. Nessas horas, todos são estrangeiros (ou ‘pulas’, como eles dizem) e manifestações xenofóbicas e racistas tomam espaço dos argumentos.
Também evite confusão ao falar sobre a política angolana. Eles dirão que você não viveu o período de guerra para entender o equilíbrio de forças que controlam o país. Sábias palavras.
No fim os estrangeiros concordam com um ponto. Dá pra viver. Poucos gostam. Mas todos concordam que vale a pena o sacrifício.
Por Caco
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