Mulheres árabes encontram liberdade nos céus

Mulheres árabes encontram liberdade nos céus

Cada vez mais mulheres se candidatam a postos de comissárias de bordo. Carreira aparece como opção para vida de liberdade.

Marwa Abdel Aziz Fathi ria consigo mesma enquanto olhava para seu broche em forma de asa no bolso esquerdo de seu uniforme cinza, depois para o salão, para as dezenas de comissárias de bordo da Etihad Airways, que conversavam e comiam canapés ao redor dela.

Era o dia de formatura na Academia de Treinamento da Etihad, onde a companhia aérea nacional dos Emirados Árabes opera um curso de treinamento de sete semanas para novas comissárias de bordo. No andar abaixo ficam as salas de aulas cavernosas onde Fathi e outras alunas praticaram o planejamento de serviço de bordo em aviões de mentira em tamanho real, e treinaram na piscina onde aprendem como evacuar passageiros em caso de pouso na água.

Além de seu visível orgulho, Fathi, uma egípcia de 22 anos, estava encantada por estar ali.

“Nunca em toda minha vida pensei que fosse trabalhar no exterior”, disse Fathi, que era estudante universitária no Cairo quando começou a observar anúncios de jornal recrutando jovens egípcias para trabalhar em companhias aéreas baseadas no Golfo Pérsico. “Minha família pensou que eu fosse louca. Mas algumas famílias por aí nem permitem essa empreitada.”

Há uma década, mulheres árabes solteiras como Fathi, que trabalham fora de seu país, eram raras. Mas, assim como rapazes de países árabes pobres correram para os estados do Golfo Pérsico ricos em petróleo em busca de trabalho, mais mulheres estão fazendo o mesmo, afirmam sociólogos, apesar de não haver nenhuma estatística oficial de quantas são.

Comissárias de bordo se tornaram o rosto da nova mobilidade para algumas jovens mulheres árabes, assim como uma questão de ansiedade social e fascinação.

O dormitório das comissárias da Etihad aqui se parece muito com os blocos de escritório estilo década de 1970, presentes em abundância na cidade. Porém, há três seguranças no térreo, um livro para registro de entradas e regras rígidas em relação a visitantes do sexo oposto. As comissárias são rotineiramente alertadas para considerar a reputação da Etihad. Aquelas que tentam trazer um homem escondido para uma das suítes de dois quartos, simploriamente mobiliadas e compartilhadas pelas mulheres, podem ser expulsas, até deportadas.

No meio de um revival islâmico em todo o mundo árabe, liderado em grande parte pelos jovens, estados do golfo como Abu Dhabi – que oferece liberdades e oportunidades quase inimagináveis em outros lugares do Oriente Médio – se tornaram um lugar improvável de refúgio para algumas jovens árabes. Muitas afirmam que a experiência de viver de forma independente e trabalhar duro por salários mais altos mudou para sempre suas ambições e sua confiança, apesar disso também poder levar a um doloroso sentimento de alienação de seus países e famílias.

A praticamente qualquer hora do dia ou da noite, há dezenas de jovens com maletas de rodinhas idênticas esperando no lobby do dormitório para serem levadas para trabalhar em algum vôo da Etihad.

Elas usam chapeuzinhos elegantes com leves lenços que sugerem uma hijab, a cobertura para a cabeça usada por muitas mulheres muçulmanas. Como colegiais em época de provas, todas reclamam graciosamente sobre terem dormido pouco.

Há algumas exclamações de parabéns e pena quando as mulheres se inteiram sobre os vôos escalados para as amigas. Rotas longas para lugares como Toronto e Sydney – onde as pausas podem durar muitos dias, os hotéis são confortáveis e o dinheiro dado por dia pela companhia aérea para cobrir despesas com alimentação e itens de primeira necessidade é generoso – são cobiçadas.

Já vôos curtos para lugares como Khartoum, Sudão, são temidos: mais de quatro horas de trabalho seguidas de abastecimento, uma nova entrada de passageiros, um exaustivo vôo noturno de volta para Abu Dhabi, e, finalmente, o transporte de ônibus de volta para a torre do dormitório, com seus guardas vigilantes.

Apesar do número crescente de mulheres que se mudam para países do Golfo, os padrões de migração de mão-de-obra dos últimos 20 anos deixaram os Emirados com uma razão homem/mulher mais distorcida do que qualquer lugar do mundo; na faixa etária de 15 a 64 anos, existem mais de 2,7 homens para cada mulher.

As comissárias de bordo da Etihad são um acessório tão popular à cena do bar do modesto hotel de Abu Dhabi que a presença delas é motivada por freqüentes noites “ladies free” e descontos exclusivos para comissários de bordo. É quase impossível para uma mulher sem véu de 20 e poucos anos ir a um shopping ou mercado em Abu Dhabi sem ser perguntada regularmente, por estranhos sorridentes, se ela é aeromoça.

Apesar das aparências, explicou uma comissária egípcia – que pediu para não ser identificada, pois não foi autorizada pela Etihad a falar com a imprensa –, sexo e namoro são temas bastante tensos para a maioria das jovens árabes que vêm trabalhar nos Emirados.

Algumas moças lidam com sua nova vida longe de casa se tornando quase como freiras, recatadas e muçulmanas praticantes, ela disse, enquanto outras rapidamente se encontram nos braços de homens inadequados. “Em relação às garotas árabes que vêm trabalhar aqui, você tem dois tipos”, explicou a egípcia. “Ou elas são bem fechadas e assustadas e não fazem nada, ou não estão pensando muito em voar – só estão aqui para terem sua liberdade. Essas são realmente indisciplinadas e loucas.”

Rania Abou Youssef, 26 anos, comissária de bordo da companhia Emirates, baseada em Dubai, contou que quando foi para casa em Alexandria, no Egito, suas primas mulheres a trataram como uma heroína. “Faço isso há quatro anos, mas elas sempre perguntam para onde eu fui, como foi e onde estão as fotos”, ela disse.

Muitas das jovens árabes que trabalham no Golfo Pérsico adoram sua posição de pioneiras, modelos, exemplos para amigos e parentes mais jovens. Moças que cresceram em uma cultura que coloca muito valor na comunidade, elas aprenderam a se enxergarem como indivíduos.

Para muitas famílias, permitir que uma filha trabalhe, ou até que ela viaje para o exterior desacompanhada, pode abrir espaço para o questionamento de sua virtude e ameaçar suas perspectivas de casamento. Ainda assim, essa cultura está mudando, disse Musa Shteiwi, socióloga da Jordan University em Amman, Jordânia. “Estamos observando mais e mais mulheres solteiras indo para o Golfo ultimamente”, ela disse. “Não é exatamente comum, mas nos últimos quatro ou cinco anos isso tem sido um fenômeno observável.”

O desemprego por todo o mundo árabe continua alto. À medida que as redes de árabes expatriados nos países do golfo se tornam mais fortes e à medida que o celular e o crescente acesso à internet tornaram a comunicação internacional mais barata, algumas famílias têm estado mais confortáveis com a idéia de permitir que suas filhas trabalhem no exterior.

Alguns empregadores do Golfo afirmam direcionar o recrutamento para mulheres com valores familiares árabes em mente – ao contratar grupos de mulheres de uma cidade ou região específica, por exemplo, para que as mulheres possam apoiar umas às outras uma vez no Golfo. “Muitas garotas fazem isso hoje porque tem a reputação de ser seguro”, disse Enas Hassan, comissária de bordo iraquiana da Emirates. “As famílias têm a sensação de segurança. Elas sabem que se suas garotas começam a voar não vão ser jogadas no mundo selvagem sem proteção.”

Ainda assim, nem todos conseguem viver bem nos Emirados, conta a jovem comissária. Até a paisagem – blocos e mais blocos estéreis de hotéis e prédios de escritórios com pequenas lojas e restaurantes para entrega no andar de baixo – pode contribuir para um sentimento de “peixe fora d’água”.

Algumas jovens mulheres contam histórias de colegas comissárias que simplesmente entraram escondidas em vôos para seus países de origem e fugiram, sem avisar à companhia aérea.

As comissárias árabes de maior sucesso, contam elas, são geralmente aquelas cujas circunstâncias já as colocaram de alguma forma à margem de suas sociedades originais: jovens imigrantes árabes que sustentam a família após a morte do chefe da casa, por exemplo, e algumas jovens viúvas e mulheres divorciadas que no final acabam sendo autorizadas a trabalhar no exterior depois que suas perspectivas de casamento diminuem.

Muito mais que outros trabalhos no Golfo, ser comissária de bordo torna difícil para as muçulmanas cumprirem suas obrigações religiosas, como rezar cinco vezes ao dia e jejuar durante o Ramadan, observou a aeromoça egípcia. Ela espera usar uma hijab no futuro, “mas não agora”. Um sentimento de desconexão de sua religião pode se acrescentar aos sentimentos de alienação das comunidades muçulmanas conservadoras de casa. Moças cujo trabalho no Golfo sustenta uma família grande geralmente descobrem, para sua surpresa e decepção, que o trabalho as tornou inadequadas para a vida dentro daquela família.

“Uma grande amiga minha, da Síria, decidiu deixar a companhia aérea e voltar para casa”, contou a comissária egípcia. “Mas ela não consegue mais tolerar viver na mesma casa que a família. Os pais dela adoram o irmão e o colocam em primeiro lugar, e ela nunca pode sair de casa sozinha, mesmo se for só para tomar um café.”

“Fica muito difícil para nós voltar para casa novamente”, ela disse.

Por: G1

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