Os problemas de morar em república
Sou filha única e felizmente não fui criada à leite com pera. Nunca soube como era dividir quarto, TV ou espaço com outras pessoas que não fossem meus pais ou talvez meus primos por poucos dias durante as férias. As poucas experiências que tive sobre convivência em coletivo eram os insuportáveis trabalhos em grupo que o colégio, semanalmente me obrigava a fazer.
Quando decidi morar no exterior tinha um esboço do que estaria me aguardando, mas eu, camaleoa das situações rotineiras, sequer coloquei minha cabeça a par sobre o que viria a partir daí, porque mesmo sem saber, qualquer situação por pior que fosse, eu faria uma força sobre-humana pra tentar me adaptar.
Em um ano e meio já morei em duas repúblicas, a primeira com os amigos do colegial, e a segunda, a que moro agora. Sempre enfrentei problemas. Morar em coletivo requer muito mais paciência e adquire-se muito mais maturidade e autocontrole do que qualquer um de meus empregos jamais exigiu.
São muitos os obstáculos a serem vencidos contra o pouquíssimo interesse pela convivência e o quase nenhum bom senso. Está no ranking dos problemas mais comuns a faxina que não sai, o banheiro pedindo socorro, a horripilante pia da cozinha, o som alto em horários inapropriados e as visitas que teimam em não ir embora – Além do maledicente hábito de espalhar os pertences pela casa como Sílvio Santos espalha dinheiro na TV –.
A maioria das pessoas que vai para o intercâmbio estudantil – uma faixa etária que abrange meus dezenove anos até um casal que conheço na quase casa dos quarenta – sempre morou com os pais ou morou até bem recentemente com eles. “Não tem porque eu aprender a trocar o gás se o pai tá lá pra fazer, né?” Não dá pra culpar, eu mesma não saberia a hora do amaciante se não tivesse necessidade pra isso e também desconheço alguém que seja sedento pelo conhecimento do lar.
É aí que o perigo mora. O filho que não lavou a louça do almoço no domingo, ou que se distraiu no dia de colocar o lixo pra fora e deixou na sala o tênis imundo junto com a toalha do pós-banho é o que anos ou não mais tarde, resolveu fazer um intercâmbio e morar em grupo. Agora imaginem uma casa com 5 habitantes que mantém uma parecida cultura de hábitos que incluem esquecer a calcinha no banheiro, não pressionar o botão da descarga após o uso ou deixar o forno ligado horas a fio após o assar da pizza ou que acha que dá pra fumar no quarto porque não quer se resfriar fumando fora de casa, ou até mesmo o exemplo bônus presenciado em minha atual residência com antigos moradores em que acharam direito trazer TRÊS(03) pessoas pra morar durante DEZ (10)DIAS (além das visitas que realmente iriam ficar pelo chão da sala) sem sequer avisar. O resultado foi um uma sequência surpresa dos moradores restantes ao abrir suas despensas (além de muitos outros problemas). Essas situações nem Jesus aguentaria.
O histórico desse tipo de comportamento daria até pra ser feito em gráfico. Gráfico este que diria que a probabilidade de crianças mal criadas se tornarem adolescentes mimados e adultos com o baixo índice de bom-senso é bem alto. É alto pra caramba. É sabido de todos a dificuldade em se acertar com quem nunca vimos, conheço quem não consegue acertar direita com esquerda com o próprio irmão, quanto mais dividir o quarto, a casa e o dia a dia com quem não conhece e ainda assim ter um jogo de cintura digno de bambolê pra não se desentender com os outros residentes. É preciso paciência, meus caros.
Mas uma coisa é certa, ninguém vai para o intercâmbio em vontade mediana, todo mundo vai para o exterior querendo dar e descobrir o seu melhor. Uma pena que novas visões de comportamento que deveriam abranger todo o conteúdo de uma nova vida, se incluem apenas da porta de casa pra fora, da porta da escola pra dentro e somente do tempero da carne até a mesma ser assada, não em todos os aspectos. As pessoas querem mudar esquecendo o caminho que percorrem de casa até a escola ou do emprego até o supermercado. É o que acontece na convivência em grupo, elas esquecem também de dar o seu melhor dentro de casa.
Bom senso é uma coisa que todo mundo deveria ter, mas que só boa educação ensina. Dar uma cutucada no housemate porque ele resolveu pôr o Pantera pra trabalhar em altura impraticável é um bocado chato, mas é preciso (aliás, já colocar um volume que dê para ouvir do cômodo vizinho sem que os outros moradores simpatizem o mesmo gênero musical já está errado), mas já que o companheiro não se toca, e pelo caminhar da carruagem também não o fará, o jeito é falar com ele, se não resolver e alguém mais sentir o mesmo incômodo, você pode marcar uma reunião. Agora se também não der resultados satisfatórios, daí abre-se caminho para duas incisivas decisões: o landlord resolve ou o rapaz se muda. Afinal, a casa inteira se acostuma a não dormir pela minoria ou será mais apropriado o rapaz arrumar uma freguesia que o acomode e acolha com carinho o heavy metal em horário do sétimo sono?
Também existe o lado positivo da vida em República, claro. Geralmente as amizades mais fortes que você fará será a de quem convive com você, que empresta uma cebola quando o óleo já está fritando, que arruma a legenda na noite do filme, vai ajudar a achar o caminho pra casa no dia que o volume da bebida estiver maior que o de sangue, irá ao supermercado pra dividir a conta, as compras e o peso e irá ao seu quarto quando seu humor ficar o mais pesado dos mortais. É claro que a vida em coletivo é divertida, proveitosa, engraçada além de amenizar a solidão que é o intercâmbio, afinal terá pelo menos uma pessoa na casa, umazinha no quarto ao lado pra você ir conversar em uma das ociosas noites da semana.
Se você não sabia ou não tinha pensado sobre a vida em coletivo, aqui fica um texto pra você refletir sobre se gostaria ou não de ter alguém te corrigindo em casa pelos próximos meses e se sua mãe tentou mas não conseguiu te ensinar uma das pepitas mais valiosas da vida, ainda dá tempo do Google te ajudar nessa, é só digitar bom senso. Boa viagem!
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