Bolívia vota neste domingo Constituição…
Bolívia vota neste domingo Constituição que prevê a formação de nações para os povos originários
Um referendo a ser votado neste domingo (dia 25) pode significar uma grande mudança para a Bolívia: o país pode se tornar uma nação dividida em dezenas de micro-territórios. Este é um dos pontos da nova Constituição que, se aprovada, reconhece a fixação de nações formadas pelos povos originários.
Segundo as últimas pesquisas, o presidente Evo Morales deve ganhar mais uma vez o apoio popular para levar adiante o projeto que, entre outras coisas, cria a reeleição na Bolívia e muda a relação entre os três poderes – em termos gerais, a designação dos integrantes das mais altas cortes do Judiciário passa a ser feita pela escolha popular, e não mais pelo Congresso.
As autonomias dos departamentos, objetivo da oposição desde tempos remotos, também são reconhecidas pelo texto, mas não da maneira esperada pela dissidente Meia-Lua, a região famosa por manifestações contra o governo. De acordo com o projeto, são criadas várias autonomias regionais e étnicas, sem uma clara hierarquia e uma sendo responsável por fiscalizar a outra, o que pode resultar mais uma série de imbróglios para o país.
Além do reconhecimento das línguas existentes antes da invasão espanhola – muitas delas usadas até hoje em concorrência com o espanhol -, passa a ser válido o poder dos indígenas de administrarem os próprios territórios, o direito a tratamentos de saúde gratuitos que respeitem os conhecimentos das medicinas alternativas e aos lucros gerados pelos recursos não-renováveis que saiam das propriedades comunitárias. Quem desejar também poderá expressar na carteira de identidade a qual povo pertence – além do boliviano.
O artigo 30 do projeto de Constituição e seus 18 incisos geram polêmica e divisão. De um lado, os povos originários comemoram o que consideram mais uma vitória para o reconhecimento da injustiça praticada contra eles nos últimos cinco séculos. De outro, especialistas e a oposição vêem mais um problema naquela que pode ser a próxima Carta Magna da Bolívia.
Para o sociólogo Salvador Romero, diretor do Instituto para a Democracia da Universidade Católica Boliviana San Pablo, há um grande equívoco na tentativa de impor a cada região uma segunda língua além do espanhol: “o problema que se coloca é que, ainda que se tenha que salvar as línguas e os povos originários, é muito difícil desenvolver dialetos que praticamente morreram. Em alguns casos, muita gente agora pretende ser membro de etnias que estavam em franco processo de desaparecimento. Provavelmente, muitos grupos étnicos que vão formar uma nação nunca chegaram a ser representativos”.
Domingo Cuentas, vice-presidente do “Conselho Nacional de Markas y Ayllus Del Qullasuyo” (Conamaq), uma instituição que tenta resgatar os valores pré-colombianos, considera que a aprovação da nova Constituição “é um primeiro passo. Sofremos em muitos anos de colônia e tantos outros de República, nunca tivemos um governo que prometesse um futuro aos povos originários. Hoje, nós temos alguém que se preocupe com a gente”. República da Bolívia
Inicialmente, o governo disse que seriam 36 os povos com direitos reconhecidos pela nova Constituição, mas depois admitiu que o estudo em que se baseia o número está desatualizado – foi feito em 1990. O autor da pesquisa, o antropólogo Wigberto Rivero, apontou, por exemplo, que alguns povos com características semi-nômades poderiam estar agora do outro lado da fronteira, no Peru. Além disso, outras etnias deixaram de existir e outras já não usam as línguas originais, mas o quéchua e o aimará, os dois idiomas mais populares da Bolívia.
O professor Salvador Romero lembra que nesse último caso estão encaixados os afro-bolivianos, que segundo o texto da nova Carta Magna estariam incluídos entre os povos que têm direito a constituir uma nação. O diretor do Instituto para a Democracia lembra que esse grupo não supera 1.500 pessoas na Bolívia e que todos falam quéchua ou espanhol. Ele acrescenta que há “muitos outros grupos tão reduzidos em número. Estamos de acordo que não é preciso decidir quais costumes permanecem e quais deixam de existir. Precisamos sim preservar uma língua, resgatar o que sobrou”.
O projeto da Constituição a ser aprovada em 25 de janeiro usa algumas vezes o termo “descolonização”. Para Romero, há nisso uma outra contradição: a partir do momento em que o primeiro artigo fala em uma nação multi-cultural e democrática, a descolonização perde o sentido, pois entra em confronto exatamente com a existência da pluralidade.
O vice-presidente do Conamaq, Domingo Cuentas, aponta que o governo apoia os esforços do governo de Evo Morales em promover a descolonização que, segundo ele, já está em andamento “resgatando a cultura, a medicina, a tradição, a vestimenta. Nós somos a maior parte, mais de 70%. A minoria nos está satanizando, falando que eles terão que arcar com os custos. Isso não é verdade”.
Por: João Peres para o UOL Notícias
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