A vida gay no Canadá.
O mês de maio de 2011 vai ficar marcado na sociedade brasileira. Marcado pelo exemplo de civilidade. Finalmente, o STF (Supremo Tribunal Federal) fez justiça ao reconhecer legalmente a união entre pessoas do mesmo sexo. A partir de agora, mesmo que tardiamente no Brasil, o casal homossexual terá os mesmos direitos que casais heterossexuais como pensão, herança e adoção.
Pelo lado jurídico isso é um grande avanço. Na verdade foi à legalização de uma situação que existe há muito tempo, além de uma extensão do direito a uma parte da sociedade até então excluída pelo Estado. Entretanto, pergunta-se: será que a sociedade brasileira está preparada a aceitar esta decisão do STF?
Um mês antes da importante e histórica decisão dos ministros, uma parte da sociedade brasileira envergonhou o mundo. Em um jogo da semifinal da Superliga de Vôlei, o jogador Michel, do time Vôlei Futuro de Araçatuba (SP), fora hostilizado da pior maneira possível. Ele foi difamado pela torcida do Vôlei Sada Cruzeiro que, em coro, gritava “bicha, bicha, bicha”. Pura prova de uma sociedade retrógrada, ignorante e inconsequente. Michel é, assumidamente, gay. Michel também é um atleta, um pagador de seus impostos e um trabalhador. É também filho, colega e principalmente um ser humano digno de respeito e admiração. Assim como Michel e tantos desportistas, advogados, contadores, programadores, veterinários, dentistas e muitos outros, não devem ser julgados pela sua preferência sexual.
No Canadá a união homossexual se tornou legal em 1969 e qualquer tipo de ação discriminatória é considerada crime contra os direitos humanos. A Província de Quebec foi a primeira a estabelecer certa proibição em 1977. É explícita também a proibição discriminatória a grupos que possui algum tipo de deficiência física e portadores de AIDS.
Paulo Coimbra é casado com um canadense e mora em Montreal há 6 anos. Perguntado se a nova lei muda alguma coisa, Paulo se mostra aliviado pela situação legal de amigos que tem no Brasil. Porém, mostra-se ainda preocupado pela reação da sociedade. “O Brasil tem uma sociedade hipócrita”, afirma. Coimbra aceitou dar uma entrevista para nossa equipe. Leia-a na íntegra.
Paulo, vamos ser diretos. Como você recebeu a notícia do reconhecimento da união homofônica no Brasil?
É um exemplo. É um direito cívico e legal. Fico feliz por amigos que deixei no Brasil. Ainda me envergonho por ter durado muito tempo para o governo legalizar esta situação. Ora, nós pagamos impostos, votamos e temos que servir o exército. Temos trabalho, educação e contribuímos para o crescimento do país. Por que não podemos ter uma família estruturada? Não ganhamos nada. Ninguém perdeu. A decisão do STF foi justa e contribuiu para toda a sociedade.
Como era sua vida no Brasil?
Obscura. Era uma vida podada e recalcada. Sofrida também. Tinha que me esconder.
Por quê?
Imagine um nordestino. Negro. Vivendo em São Paulo capital. Já é duro. Agora alie isso ao fato de ser gay! Como você acha que era a minha vida? Discriminação pura. Tinha que fingir até para meu pai que era uma pessoa que ele queria que eu fosse. No Brasil há um padrão. Se você não está dentro do padrão, você está perdido.
E como é a sua vida no Canadá? Quais as diferenças?
O Canadá é um país livre. Aqui me sinto gente. Sinto-me respeitado. Eu sei que ninguém vai me encostar ou me descriminar por causa da minha cor, do meu sotaque ou pela minha escolha sexual. Vou a festas, faço parte da comunidade brasileira, canadense, organizo e participo de eventos e tenho vários amigos de nacionalidades diferentes. Aqui não se taxa. Ninguém faz piada pejorativa para te humilhar. Ando na rua despreocupado, o que não acontecia em lugar nenhum no Brasil. Enfim, vivo uma vida normal.
Como veio para o Canadá? E porque Montreal?
Formei-me em Estudos Sociais em 2001 e consegui uma bolsa de Mestrado em Desenvolvimento Social. Fui para Ottawa. Numa festa da Universidade, no fim de 2003, conheci o Mark. Faltavam 2 meses para eu voltar ao Brasil, mas ele mudou a minha vida. A amizade virou namoro, eu voltei para o Brasil e ele foi para Montreal trabalhar. Ficamos nos correspondendo. Fui a Montreal visitá-lo em Julho 2004 e aí veio a surpresa: ele me pediu em casamento. Foi muita emoção. Aceitei lógico! Casamos uma semana depois. Voltei para o Brasil, arrumei minhas coisas e me mudei para Montreal.
Você contou para a sua família?
De Montreal eu só falei com a minha mãe. A única que sabia que eu sou gay. Ela ficou feliz, mas também preocupada com a reação dos demais. De volta ao Brasil contei para todos.
Aceitaram? Como foi?
Meus irmãos (Paulo tem um irmão e uma irmã) ficaram sem reação. Acabaram aceitando. Meu pai tentou me agredi. Minha mãe me protegeu. Não foi uma situação fácil. Ele me falou muita coisa e me humilhou bastante. Eu ouvia na voz dele toda a sociedade me descriminando. Fui para um hotel.
E como é hoje?
Meu pai não fala comigo. Já mandei várias cartas. Vou continuar mandando. Eu faço a minha parte. Eu o perdoei. Minha mãe já me visitou 2 vezes. Ela me apóia e agradeço a ela tudo que sou hoje.
Já foi ao Brasil depois de ter mudado para Montreal?
Não. Tenho medo. Não me sentiria bem ou à vontade.
Você acha que há mais gays no Canadá do que no Brasil?
Não. A diferença é que no Canadá o gay não precisa se esconder. Aqui somos livres e respeitados. Fazemos parte da sociedade. Os direitos e deveres são iguais para todos. No Brasil o gay é descriminado, taxado e não se encaixa na sociedade. Não sai do armário com medo da reação das pessoas seja no trabalho, na escola, na rua ou em casa.
Paulo ainda afirma que ser gay no Canadá é algo extremamente normal. É como se ter um cachorro, por exemplo. Tem gente que gosta e tem gente que não gosta. A diferença está no respeito. Os que não gostam de cachorros respeitam os que têm. Essa é uma das grandes diferenças entre a sociedade brasileira e canadense: o respeito.
As leis no Canadá são para todos independente da religião, partido político, preferência sexual ou do time de futebol.
Os nomes acima são fictícios para proteger a privacidade das pessoas envolvidas.
E você leitor, qual a sua opinião?
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