Uma aventura na fronteira do Chile!
Em um ano desses não muito distantes, eu e minha mãe resolvemos passar o carnaval em outro país sul-americano. O roteiro era simples, Argentina mais Chile.
A ideia era cruzar as cordilheiras de ônibus a partir de Mendoza na Argentina. Eu já tinha tentado fazer isso em outra oportunidade, mas como era inverno, uma nevasca impediu a passagem.
Durante o verão não haveria problemas. Apesar do intenso calor, Mendoza no verão é agradável. A temperatura facilmente atinge os 40 graus, mas acho que um sopro das cordilheiras mantém o calor suportável, longe do sol é claro.
Depois de 2 dias ali embarcamos em um ônibus normal, de linha em direção à Santiago do Chile. Como a viagem era de horas e diurna, que vale muito fazer pois os Andes descongelados são ainda mais encantadores, levamos coisas para comer. Entre elas frutas frescas e secas. Já chegando perto da fronteira o moço do ônibus distribuiu os papéis da imigração e deu as instruções: “Vocês devem passar a pé pela imigração, enquanto fazem isso o ônibus será revistado, assim como a bagagem. Qualquer alimento fresco ou que não passou por processo de industrialização deve ser descartado.” Falado isso, ele começou a percorrer o corredor com um saco de lixo. Apressamo-nos em descartar os restos das frutas frescas e comer a última deliciosa maçã argentina.
Já na gigantesca fila o motorista abriu a porta e nos mandou descer, disse que deveríamos ficar de olho no carro, pois só poderíamos entrar na fila da imigração quando o ônibus estivesse entrando no galpão. Até ai tudo ok. Foram acho que duas horas de espera, a fila de carros era ainda maior e veículo por veículo os agentes chilenos revistavam.
Mesmo longa a espera foi divertida, em pleno verão, pequenas áreas nevadas alegravam nossos olhos e os finos casacos que levamos no forçaram a ficar no sol, já que na sombra o frio assustava.
Chegou nossa vez, na fila da imigração tudo ok. Depois fomos para a revista das malas, vimos um agente de fronteira entrar com um cão farejador no ônibus. As malas foram descarregadas e passaram uma a uma por um Raio-X. Inclusive as de mão. Enquanto os agentes faziam isso, os passageiros em questão ficavam sentados em frente observando tudo. “Às vezes eles perguntavam” de quem é esta mala? “O dono se acusava e ia para o lado da esteira, os outros eram liberados para entrar no ônibus.
De repente ouvi a pergunta e a mala que o agente segurava era da minha mãe. “É minha” eu disse antes que ela percebesse.
Sem educação alguma, o agente abriu a mala e revistou. Ele tirou um pote de azeitonas, um pacote de tomate seco e um de uva-passa e me pediu minha declaração de carregar alimentos e a da minha mãe também. Nós não declaramos estar com alimentos frescos ou não processados, pois acreditamos que a azeitona e as frutas secas passavam por um processo industrial. O documento também não era muito esclarecedor.
Mesmo assim a confusão estava armada. Minha mãe começou a ficar nervosa e tentava explicar em português que eram apenas presentes para meu pai. O agente foi ficando mais nervoso com as explicações dela e nessa altura só nós ainda estávamos na sala de revista. O cara ficou tão nervoso que ameaçou prende-la por ela não conseguir se comunicar. Nessa hora pedi que eles a liberassem, pois eu assumiria a culpa em relação a mala. O moço do ônibus me olhou assustado e pedi que ele levasse a mãe para dentro junto com as coisas que tinha sido liberada. Ai, bem, ai que deu para ver que tem gente que gosta de ser subornada.
Primeiro o nervosinho queria me aplicar uma multa de 400 dólares americanos por tentar entrar no país com produtos ilegais. Até que depois de alguma conversa ele disse que 200 dólares americanos seriam suficientes para que eu não fosse presa e que eu pudesse passar com a mercadoria. DETALHE, não recusamos uma só vez em entregar aos oficiais os presentes do meu pai e deixá-los ali, já que por lei não poderiam prosseguir conosco, mas ele estava é afim de uma propina.
Nessa altura ele só estava implicando com as frutas secas, a azeitona ele já tinha esquecido. Não conheço em detalhes o processo de dissecação para fazer uva-passa e muito menos tomate seco, mas parece que eles não passam por nenhum processo industrial.
Por sorte, antes de se armar toda esta confusão, outro oficial que estava em um dia de super-hiper-mega bom humor, tinha feito uma brincadeira com os passageiros do ônibus e eu tinha respondido o que fez rir.
Enquanto o nervosinho esbravejava e me ouvia dizer que não pagaria a multa pois não queria desobedecer a legislação e entrar no país com frutos proibidos. O outro se meteu na conversa. Chamou-o para um canto e argumentou. Não consegui ouvir, só vi a cara de frustado dele quando o outro veio em minha direção dizendo que se eu não pagasse a multa poderia ser presa por uma declaração falsa.
Não me intimidei com a ameaça. Disse que ele então chamasse os guardas, pois o documento não era claro, e eu não estava negando em abrir mão dos pertences. Aquilo não passava de um mal entendido e ele estava tentando transformar em incidente internacional. Depois disso me concentrei para não rir enquanto imaginava um oficial do governo brasileiro ligando para o meu pai e dizendo que eu estava presa no Chile por causa de uvas-passa.
Tudo bem, não pensei muito quando respondi ao homem, mas de alguma maneira aquilo fez desistir de mim e deixar que o de melhor humor cuidasse do caso.
Agora sim, ele me explicou que na legislação chilena da agricultura produtos como uva-passa e tomate seco não eram considerados industriais e portando sua entrada no país é restrita, já que o Chile tem uma forte política de defesa anti-pragas.
Pedi desculpas ao cara, disse que realmente não havia compreendido que eles faziam parte da restrição e que não estava agindo de má fé. Mas também sabia que a multa não era parte da punição, mas sim a apreensão das mercadorias, a qual eu não havia negado.
Ele também me explicou que eu ter preenchido que não carregava nada e estar carregando era um ato passível de prisão por falso testemunho e que muita gente fazia isso com má intenção. Novamente expliquei que eram apenas presentes para o meu pai, que é cozinheiro amador, que realmente não iríamos abrir nada no Chile e ainda pretendíamos comprar outras coisas da culinária local.
Ele me pediu que preenchesse um novo documento, dizendo que eu portava os alimentos, assinei também uma folha simples onde dizia que eu não estava agindo de má fé e que era apenas um problema por causa da diferença de idiomas. Depois ele anexou tudo, abriu o tomate seco e a uva passa na minha frente e derramou uma tinta roxa que me disse que era veneno.
Minha mãe estava em pânico dentro do ônibus e os outros passageiros grudados na janela. Acho que eles já estavam torcendo para que eu fosse presa logo e a viagem prosseguisse.
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