Porque saltar de bungy jump pode mudar a sua vida?
Essa era a teoria do Murilo, guia de viagem da empresa Moana Motion, na Nova Zelândia, e que tentava encorajar eu e a minha amiga a arremessar nossos corpinhos abismo abaixo! Confiando nossa vida numa cordinha ínfima feita de restos de sanidade mental e elásticos presos à nossos pés.
– Saltar de bungee-jump vai mudar a vida de vocês – disse ele.
Aham… Claro… Argumento muito clichê para me fazer mudar de idéia e gastar dinheiro loucamente ( e literalmente, aliás).
– Estou falando sério – ele continuou – Vocês vão descobrir que é a coisa mais difícil e, ao mesmo tempo, a coisa mais fácil que existe.
Difícil porque saltar de bungee-jump é – não minto – assustador. Primeiro, porque o chão tá logo ali, o que aumenta a sensação de estar caindo. Segundo, porque você tem que prender a corda nos seus pés (pode até prender na metade do corpo, mas prender nos pés é mais seguro, evitando “trancos” ou um mau jeito no corpo durante a queda), e isso significa que você tem que, literalmente, mergulhar de cabeça no nada. E terceiro, você faz isso sozinho – não tem ninguém para empurrar você. E, mesmo que você opte por fazer um salto duplo, isso significa que os dois tem que pular juntos.
E, ao mesmo tempo, é a coisa mais fácil do mundo, porque você precisa, simplesmente saltar. Ou, ainda, não fazer nada – apenas deixar o corpo cair para frente. E a gravidade faz o resto. Simples assim…
“Simples assim o ¨$&#@*”, pensei eu diversas vezes, enquanto esperava na fila minha vez para saltar.
Existem vários bungee-jumps famosos na Nova Zelândia, mas eu destacaria cinco deles: o Skyjump (você pula da torre Skytower, a 192 metros) e o Auckland Bridge (pulando da ponte principal da cidade), ambos em Auckland; o Nevis (o mais radical, com 134 metros de queda), o Kawarau Bridge (o primeiro bungy do mundo, de 43 metros, em que um dos charmes é o fato do rio abaixo ter sido um dos cenários do filme “O Senhor dos Anéis”), estes em Queenstown; e o Taupo Bungy, na cidade de Taupo, com 47 metros (foto ao lado). E um dos lugares mais bonitos para saltar, na minha opinião.
Eu estava nesse último. E a fila à minha frente diminuía.
“E se eu desistir? Eu posso desistir, ainda dá tempo.”
Poder, até podia. Mas os kiwis têm uma técnica muito eficaz para inibir essa incidência: pagar adiantado. E se desistir, perde o dinheiro – na época, 100 dólares neozelandeses, o equivalente a 150 reais. E quando você é estudante, isso é uma fortuna que não pode ser desprezada assim, sem mais nem menos…
3 pessoas na minha frente. Uma plaquinha à direita sinalizada quantos saltos já haviam sido feitos, e quantos acidentes já aconteceram: zero, até então. Bom sinal.
Bom… Se for para pular, que seja aqui, no lugar mais seguro do mundo. E se for mentira? E se morreram vários e ninguém falou nada? Nesse caso, a ignorância é uma virtude. E se, mesmo assim, dos milhões que já saltaram e eu for o primeira a se acidentar? Bom, aí era porque definitivamente tava na minha hora mesmo.
2 pessoas na minha frente. Frio na barriga intenso.
Ah, detalhe: eu tinha almoçado um pouco antes. Isso porque a programação do nosso tour mudou subitamente e o bungy teve que ficar para depois do almoço. Fomos negociar com o Murilo, que se limitou a sorrir e responder: “Just don’t eat nothing expensive”.
Engraçadinho.
1 pessoa na minha frente. Um dos rapazes já me coloca na balança e anota o meu peso nas costas da minha mão, por procedimento de segurança, pois assim eles fazem um cálculo da velocidade de queda versus seu peso versus capacidade de distensão da corda, para no final definir o comprimento da corda, evitando assim que acidentalmente a corda não estique demais e você bata a cabeça lá embaixo.
Tudo bem que tudo isso me transmitiu aquela sensação de segurança e tal… Mas ver o seu peso e tatuá-lo anunciando publicamente nas costas da sua mão com uma caneta cuja tinta levou dois dias para sair é sacanagem, certo?
O infeliz da minha frente se joga. A mulher que comandava a corda me pergunta como eu quero cair, para ela ajustar o comprimento da corda.
Existem quatro opções: uma é você cair na água, mergulhando até a cintura, de cabeça para baixo. A segunda é cair mergulhando apenas a cabeça. A terceira é molhar as mãos, apenas. E a quarta é não se molhar.
Sim, Rei, são tantas emoções…Então vamos na última opção, que já está de bom tamanho.
Tudo calculado, enfim fico frente a frente com o nada, e o peso da corda amarrada a meus pés me puxando para baixo.
Sim, é difícil. Nossa, como é difícil! O chão ta logo ali, e parece que o seu pé cria raiz no chão – não solta de jeito nenhum! Dá uma certa tontura (eu tenho medo de altura, já contei isso?) e todo o seu instinto de sobrevivência te faz se agarrar ali e não soltar de jeito nenhum!
Então a moça perguntou seu eu queria ajuda. Quero, lógico. Então ela disse: “Então feche os olhos e junte as mãos acima da cabeça. Eu vou contar até 3 e vou apenas encostar em você, ok?”
Ok. Fechei os olhos. Mãos lá em cima.
Three, two, one…
Simplesmente deixei o corpo indo levemente para frente, a partir do toque dela. E caí.
E é, realmente, a coisa mais fácil do mundo. É uma sensação estranha. E deliciosa.
Primeiro seu estômago vai até sua boca. Depois, quando a corda estica totalmente e volta a te puxar para cima, ele volta para a barriga, e depois torna a voltar para a cabeça quando você cai de novo.
Ok, não foi uma das descrições mais convincentes. Mas, assim como a teoria do “o mais difícil é o mais fácil”, às vezes o mais estranho e assustador é, também, o mais surpreendente.
Um barquinho vem te buscar quando você já parou de balançar. E, do barquinho até todo o passeio de volta no ônibus, eu e os outros “jumpers” do grupo só ficavam quietos, com um sorriso de orelha a orelha, com endorfina correndo solta nas veias.
O que posso dizer? Realmente adorei ter vivido o paradoxo. Adorei ter descoberto, na prática, que o mais fácil e o mais difícil são, na verdade, a mesma coisa. E passei a incorporar essa filosofia aprendida numa viagem para as outras áreas da minha vida.
Tanto que pulei de pára-quedas alguns dias depois. Mais corajosa. Mais empolgada. Com um medo do cão no início e puro êxtase no final.
E saltar vai mudar a sua vida? Lógico que muda. Porque antes do salto (e da experiência) é você, o seu medo, e à sua frente, o nada.
E depois, o que resta é só você.
Mais nada.
As fotos foram gentilmente cedidas pela autora Clarissa Donda de seu arquivo pessoal.
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