Existe algum problema em ter sotaque? Infelizmente sim!
A primeira coisa que você pensa em fazer quando quer morar em outro país é aprender a língua, certo? Básico. Pra viver num país que não é o seu, é preciso aprender a língua e isso todo mundo concorda. Você precisa aprender os tempos dos verbos, como se constroem as frases no passado, presente, futuro, etc. Quase tudo isso a gente acha que sabe, depois de “aprender” o inglês da escola. No primeiro filme que assistimos sem ajuda da legenda percebemos que estamos longe de entender 100% do que é dito. Mas, quanto a isso, não se preocupe. Ninguém entende 100%. Usando inglês como exemplo, nem mesmo os americanos entendem 100%. Na casa de família americana onde estou é costume deles “ligar” a legenda em inglês para conseguir entender todos os diálogos. Algumas vezes, quando o filme não tem legenda, eu não entendo alguns diálogos. Inúmeras vezes eu perguntei: “O que ele disse?” e eles responderam: “Não sei, também não entendi…” Então não fique preocupado se você não entende 100%. Eles também não entendem.
Aprender a se comunicar bem, ler e escrever sem erros já é um desafio. Conseguido isso você precisa ir para o próximo nível. Aprender a pronúncia correta das palavras. Não somente isso, mas tentar se livrar ao máximo do sotaque que a língua materna infere na pronúncia do inglês. Mas isso faz alguma diferença? Talvez alguém pergunte. Sim faz muita diferença! Embora um leve sotaque é encarado como charme pela maioria das mulheres, um forte sotaque não é bem visto se você já está vivendo no país estrangeiro por um tempo.
Usemos como exemplo os EUA e o inglês. A grande maioria dos latinos que encontro aqui nos EUA não dá a mínima importância em se falar bem o inglês. E isso interfere negativamente sobre eles. Alguns que vivem em Orlando por mais de 5 anos nem sequer falam inglês. Impõe o espanhol deles a você. Conheci um brasileiro que vive aqui há 8 anos. O inglês dele era péssimo. Conversando um pouco com ele você percebe que ele não se incomoda com isso.
Em quê especificamente o sotaque interfere? Em primeiro lugar e isso já aconteceu comigo, a pessoa tem dificuldade de entender o que você diz. O outro aspecto é que influencia no julgamento que a pessoa faz de você.
Ter dificuldade de entender o que você diz tem peso negativo em uma entrevista de trabalho, em apresentações na escola ou na faculdade, vendendo um produto enfim, em uma porção de coisas. O teste TOEFL (Test of English as a Foreing Language) é uma exigência para estrangeiros que vivem em países onde o inglês não é a língua materna e que desejam estudar em um país de língua inglesa. No teste, a pronúncia das palavras conta pontos. Pontos são descontados pela pobre pronúncia.
A pessoa que te ouve, na maioria das vezes, não sente pena do seu esforço de falar a língua e sim, como eu já ouvi em muitos comentários, critica o fato de você não falar direito língua do país. Eu só entendi isso algum tempo depois e vou contar como foi.
Em 1994 eu cheguei ao aeroporto JFK para uma visita a NYC (New York City). Saindo do aeroporto eu disse para o motorista de taxi:
– “Quero ir para Mãnhatãn” – essa foi a minha pronúncia. O motorista de taxi disse:
-“Where??”
Eu respondi novamente: “Mãnhatãn”. E novamente ele não entendeu. Pela terceira vez eu disse “Mãnhatãn, a ilha!” Foi quando ele parou pra pensar um pouco e me disse após alguns segundos: “Ah!! Ménhétn”.
No momento eu pensei que era um tipo de frescura. Como a pessoa me ouve falar “Mãnhatãn” e não associa imediatamente com “Ménhétn”, ou “Manhatan” na pronúncia deles? É quase a mesma coisa! Fiquei aborrecido. Alguns dias depois encontro com uma brasileira em uma pequena reunião na casa onde me hospedei. O marido dela era americano e veio falar comigo em português. Tive muita dificuldade de entender o que ele falava. Em certo momento perguntei: “De quê lugar do Brasil sua esposa veio?” Foi daí que ele me disse: “Ela vem de Maynas Jiras” e eu perguntei novamente: “De onde?” e ele disse: “Maynas Jiras”. Que raio de lugar é esse!? pensei…Depois pensei nas letras que ele estava pronunciando. Se ele começou com M e J ou G será que não é….uhmm…. Minas Gerais? Perguntei então pra ele e ele respondeu: “Izu mismou!” (isso mesmo). O que foi que eu imediatamente pensei? Eu pensei ‘como ele fala mal o português’ e depois “caiu a ficha”pra mim. Pensei na conversa que tive com o motorista de táxi. Eu fiz exatamente como ele fez comigo. Pronunciei as sílabas e as vogais com os sons do português o que tornou a palavra Manhatan completamente ininteligível para ele. Não era frescura, ele não entendeu mesmo.
Esforçar-se para entender o que a outra pessoa está falando é cansativo e poucas pessoas estão dispostas a fazê-lo se você não é turista. Por esse motivo você precisa aprender a pronunciar as palavras o mais perto possível da pronúncia do lugar para onde vai.
Eliminar o sotaque é quase impossível. Mesmo depois de 20, 30 anos falando uma língua que não é a sua, você ainda terá algum sotaque. Isso acontece porque o cérebro humano “aprende” ou “grava” os sons da pronúncia da língua materna quando somos crianças. Já participei de palestras onde neurocientistas explicaram que isso ocorre entre o primeiro e terceiro anos de vida. Depois disso o processo se encerra. O cérebro não vai conseguir reproduzir perfeitamente os sons que não “gravou” nesse período. Por isso os americanos não conseguem falar o “ão” como a gente. Não existe esse ão em inglês. Eles dizem Sál Paulo e não São Paulo. Não conseguem dizer o São com o tom anazalado como nós pronunciamos. O mesmo se dá com japoneses. A ausência do L causa dificuldades.
Outro ponto também é que a língua materna e a língua estrangeira são “gravadas” em partes diferentes do cérebro. Então você sempre terá algum sotaque. Mas seu sotaque pode ser mínimo. E para isso vai exigir esforço da sua parte. O que a maioria não está disposta a fazer, a minoria é elogiada por isso. Tem-se muita boa impressão de quem é estrangeiro e fala bem o inglês. Esforce-se ao máximo para conseguir pronunciar corretamente. Muitas vezes pergunte: “Falei direito ou com sotaque?” Muitas vai ouvir: “Falou com sotaque”. Daí treine e treine e treine. Pergunte de novo e muitas vezes terá uma resposta positiva. A parte mais interessante do processo é quando você começa a esquecer o português. Eu tenho tido dificuldade de encontrar as palavras certas em português. E sei que no futuro, terei sotaque nas duas línguas, como percebo com muitos brasileiros que vivem aqui.
O esforço de falar sem sotaque é recompensado. Na faculdade, no Banco, em reuniões sociais etc. Já fui muitas vezes elogiado e indagado: “Como é que você fala tão bem inglês?” ou “Você fala muito melhor que muita gente que mora aqui há mais de 10 anos” e sempre vem um comentário negativo a respeito dessas pessoas.
Infelizmente um forte sotaque influencia o julgamento que a pessoa faz de você. Indiretamente eles atribuem o fato à preguiça, descaso ou mesmo incapacidade de aprender. As pessoas tem a impressão de que, se você é incapaz de falar corretamente a língua do país deve ter outras incapacidades também. O que muitas vezes pode não ser verdade, mas às vezes tem sentido. Nesta temporada de Hell’s Kitchen todos os participantes faziam chacota de “Salvatore” um imigrante italiano que falava muito mal o inglês. O Chefe criticou o fato de ele viver há 28 anos nos EUA e falar daquele jeito. Episódios à frente revelaram que ele também não sabia escrever! Se você fala muito mal, de coisas assim é que as pessoas ficarão desconfiadas.
Lembrando que isso não se aplica a turistas. Turistas são bem aceitos em qualquer lugar nos EUA e ninguém se incomoda se falam bem ou não. Porém vai ter peso para aqueles que já estão vivendo no país estrangeiro por algum tempo. A expectativa para com o residente é diferente da expectativa para com o turista. O turista não tem com o que se preocupar.
Falar bem a língua do país onde se deseja morar é essencial. Abre portas, impressiona, você é tomado por uma pessoa culta, inteligente e dedicada. As pessoas reconhecem seu esforço. Por isso, faça o esforço de aprender bem a língua do país onde deseja morar. Frequente no Brasil mesmo, cursos específicos de pronúncia. Tal esforço mostrará ser uma ajuda valiosa e muitas vezes até mesmo um ‘passaporte’ para melhores oportunidades em uma terra estrangeira.
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