Viagem lado B

Viagem lado B

Eu ainda lembro o dia em que meu irmão colocou o LP do RPM na vitrola lá de casa. Rádio Pirata estava estourado nas rádios, uma febre só. Para conter a inflação e alavancar as vendas, a gravadora congelou o preço do disco e em praticamente toda festinha de garagem alguém levava o tal do álbum. No lado A, Olhar 43 e outros sucessos; no B, uma versão de London, London do Caetano. Aliás, a maioria dos discos era assim: em um lado, o A, os grandes sucessos, as músicas de trabalho. No B, as músicas novas, experimentais. A jogada de marketing era perfeita: colocar no mesmo lado todos os sucessos. Em tempos analógicos, qualquer coisa que facilitasse a vida estava valendo. O bolachão morreu no duelo com os fora-da-lei internet e mp3, mas a expressão “lado B” está aí vivinha da silva.

Lado A ficou para tudo que é clássico, bom e garantia de sucesso. Obelisco em Buenos Aires, mercado central em Santiago, london eye en Londres. Impressiona como as pessoas saem do Brasil para fazer esses roteiros extremamente turísticos, icônicos. Você vai a Nova York e as pessoas querem saber se você foi à Estátua da Liberdade, a algum show na broadway e se comprou bugigangas na times square. Dizer que não é enfrentar uma enxurrada de críticas. Como assim não subiu no empire state? Você cruzou o oceano e não foi ao louvre? Bom, se você não vai a museus no Brasil porque iria nos lá de fora? Se é pela curiosidade de ver obras famosas, ok. Isso provavelmente não vai tirar muito do seu escasso tempo e você logo vai voltar a fazer coisas mais interessantes. O mesmo é válido para broadway. Você vai ao teatro no Brasil? Não? Novamente o passeio vale pela experiência. Infelizmente, vale também pelo status. Sabe essas coisas que saem todo mês nessas revistas de turismo? Eu estive lá. Um pensamento que acrescenta pouco além de um nariz empinado.

É aí que o lado B se torna mais interessante. Se você gosta de teatro, deve saber que Nova York tem um dos principais circuitos cênicos independentes. Ou, se gosta de arte, talvez prefira caçar grafites nos muros de Paris a perder horas enfrentando japoneses e suas máquinas furiosas tentando ver a Monalisa. Sair do Brasil precisa ser mais do que suprir as expectativas, as suas e as dos outros. Verdade que esses 16 anos de prosperidade econômica não foram suficientes para gente matar essa nossa vontade de viajar, de ver o Mickey e a Torre Eiffel. Mas é uma experiência para poucos, que precisa ser melhor aproveitada. Inclusive por quem pretende não comprar o bilhete de volta.

Para mim, Montevidéu é o lado B de Buenos Aires. Sem aquela enxurrada de brasileirinhos em puerto madero. E Colônia é o lado B de Montevidéu, uma simpatia de cidade no verão. E o que dizer de Punta del Diablo, lado B total de Colônia? Praia no melhor estilo uruguaio que você não conhece. Villa La Angostura é o lado B de Bariloche. E vamos parando por aqui porque você já sacou que essa lista não tem hora para terminar.

Claro que nem todo destino lado B é bom. Não é London, London que vai salvar o Rádio Pirata. Longe disso. Mas é a experiência que conta. Na sua próxima viagem, vire o disco.

Publicar comentário