Viajando de Bicicleta – Argentina e Uruguai

Viajando de Bicicleta – Argentina e Uruguai

Eis a minha estréia no site Sair do Brasil. E não poderia ser de forma menos aventureira do que a minha melhor viagem realizada em 2013. Foram 17 dias viajando de Bicicleta entre a Argentina e o Uruguai, pedalando pelas estradas bem asfaltadas, sinalizadas e seguras desses dois belíssimos países.

Tudo começou numa mesa de bar, enquanto eu e meu parceiro de bicicleta, um senhor de 63 anos de idade, discutíamos sobre nosso desejo de pedalar pelas estradas do mundo. Em apenas 15 minutos de conversa, decidimos o destino e a data. Uma semana após nossa ideia inicial, as passagens já estavam compradas. Concordamos então, em explorar o Uruguai no mês de outubro, devido as condições climáticas mais amenas. Partiríamos de Buenos Aires, uma vez que as passagens aéreas tem valores mais econômicos e são mais acessíveis, desde a minha cidade Natal. De uma coisa  tinhamos certeza: nada de roteiros prontos ! Mas claro, pesquisas em sites de viagem foram realizadas para nortear nosso percurso.

Com o passaporte em mãos (e em dia!), sem a necessidade de visto (por serem países membros do Mercosul), tratamos de realizar imediatamente a única burocracia que sabíamos que seria exigida : a nota fiscal das nossas bicicletas ! Sem isso, corríamos o sério risco de nunca trazermos de volta nossa parceira e fiel escudeira.

Compramos a passagem avulsa, diretamente no site da companhia aérea, e providenciamos o Hotel em Buenos Aires, para nossa primeira noite de descanso após algumas horas de vôo(entre Natal, São Paulo e Buenos Aires). O único “contra-tempo” que tivemos durante todo o percurso, foi adaptar as mala-bikes nos carrinhos de bagagem dos aeroportos. Fora isso, tudo conspirou ao nosso favor !

Já em Buenos Aires, montamos nossas bicicletas no saguão do Hotel e partimos cidade à dentro, no intuito de explorar os famosos bairros de San Telmo, Puerto Madero e Retiro. Em Puerto Madero, fiz um dos meus passeios mais agradáveis. Nos primeiros minutos de pedalada, pude observar o quanto os argentinos são prudentes e educados no que diz respeito ao trânsito de ciclistas. Mesmo circulando em uma capital, num dos bairros mais movimentados quanto ao tráfego de automóveis, tive a preferência na pista, em 100% dos casos. Nada me fez lembrar a grande São Paulo!

Após 3 dias explorando a capital da Argentina, decidimos partir para a nossa grande aventura de bicicleta.  Organizamos nossas mochilas de sobrevivência, fechamos nossas malas e guardamos no porão do Hotel em San Telmo, para resgatarmos em nosso retorno. Providenciamos com 24h de antecedência a compra dos bilhetes de navio (através dos nossos Smartphones),  pela empresa BUQUEBUS. A empresa faz o percurso através do Rio del Plata, desde Puerto Madero (Argentina) até a cidade de Colonia del Sacramento (Uruguai), em apenas 1h e 15m com todo o conforto, luxo e lazer que um bom ‘cruzeiro’ pode oferecer. Não tivemos dificuldades para despachar nossas bicicletas, já que as mesmas foram no porão do navio, junto com os demais automóveis e animais.

viajando de Bicicleta

Viajando de Bicicleta – Empresa Buquebus (Credito: Márcia Procópio)

As 15h, desembarcamos  no porto da charmosa cidade colonial de Colonia del Sacramento, loucos de felicidade e cheios de excitação pelos próximos quilômetros à desbravar. Fizemos um tour exploratório pelo centro da cidade, onde a cada quarteirão alcançado, um novo universo se abria aos nossos olhos. Além de linda, Colonia é uma cidade bastante arborizada, organizada, turística, e serve de museu a céu aberto para as centenas(ou milhares) de carros antigos que todo o país insiste em colecionar. São vários exemplares expostos a cada esquina e alguns desses automóveis antigos, são utilizados como mesa de restaurantes e bistrôs. Uma ideia realmente genial, embora nem tanto confortável !

Rua de Colonia del Sacramento e seus carros antigos (Credito: Márcia Procópio)

Viajando de Bicicleta – Rua de Colonia del Sacramento e seus carros antigos (Credito: Márcia Procópio)

Após nosso tour inicial, descobrimos que meu parceiro havia perdido sua carteira de dinheiro, com o câmbio que realizamos no dia anterior (na Calle Florida, em Buenos Aires), todos os cartões de crédito e documentos, exceto o passaporte, que para a sua sorte, estava dentro da mochila de sobrevivência. E lá estávamos nos, fazendo B.O. em uma delegacia de Polícia no Uruguai. Mesmo com esse contra-tempo, e contando apenas com o meu dinheiro para dividir entre os dois, resolvemos seguir viagem.

Logo que concluímos todos os trâmites burocráticos, paramos para almoçar/jantar num dos melhores e mais conceituados restaurantes da cidade, o El Drugstore (localizado em frente a Basilica del Santissimo Sacramento). Além da decoração super transada, o cardápio gourmet é de encher os olhos. Você pode optar em fazer sua refeição dentro do restaurante, em um ambiente bastante aconchegante, ou do lado de fora, porém, dentro de um dos mais antigos carros estacionados pelas ruas de paralelepípedos coloniais.

Sair do Brasil de Bicicleta - Restaurante El Drugstore (Crédito Márcia Procópio)

Viajando de Bicicleta – Restaurante El Drugstore (Crédito Márcia Procópio)

Sair do Brasil de Bicicleta - El Drugstore - Mesa de restaurante dentro do carro (Crédito: Márcia Procópio)

Viajando de Bicicleta – El Drugstore – Mesa de restaurante dentro do carro (Crédito: Márcia Procópio)

Sentimos a noite cair, o clima esfriar e o cansaço pesar. Ao finalizarmos nossa refeição, tivemos que tomar uma importante decisão : onde dormir ?

Diferentemente da maioria dos ciclistas viajantes, eu e meu parceiro nunca carregamos muita bagagem. O excesso de peso das malas acopladas na lateral da bicicleta, atrapalham o rendimento ao longo da pedalada. Por esse motivo , nunca carregamos sacos de dormir, barracas, ou algo do gênero. Viajamos apenas com a mochila de sobrevivência, que carregamos nas costas, que possuía apenas um kit de higiene pessoal (em miniatura), pouca roupa intima, um tênis extra (caso a sapatilha de pedalar apresentasse problemas, ou no caso de uma saída noturna), duas mudas de roupa limpa e mais nada ! Se o tempo esfriar(como foi o caso), a única solução era rezar para que o casaco corta-vento aquecesse o suficiente.

Encontramos um Hostel BBB (Bom/Bonito/Barato) bem na saída da cidade, o que caiu como uma luva para os nossos planos do dia seguinte. Nossa primeira noite no Uruguai, além de fria (6° C), foi regada a cerveja Patricia, a Numero 1 do país. Na manhã seguinte, após um café da manhã bem reforçado, ao estilo colonial, partimos rumo à Montevidéu, pela famosa Rota 1 .

Sair do Brasil de Bicicleta - Saída da cidade de Colonia del Sacramento, Rota 1 (Crédito: Márcia Procópio)

Viajando de Bicicleta – Saída da cidade de Colonia del Sacramento, Rota 1 (Crédito: Márcia Procópio)

Após 55km pedalando pelas belas paisagens de palmeiras imperiais, quase sempre em linha reta, paramos para almoçar na conhecida cidade de Colonia Valdense, no central American Bar.

Sair do Brasil de Bicicleta - Cidade de Colonia Valdense, Rota 1 (Crédito: Márcia Procópio)

Viajando de Bicicleta – Cidade de Colonia Valdense, Rota 1 (Crédito: Márcia Procópio)

Fizemos uma refeição leve e simples, prevendo os próximos quilômetros durante a tarde. Um pouco mais adiante, com receio da noite cair e do frio nos acompanhar, decidimos encerrar nossa pedalada do dia na pacata cidadezinha, denominada Ecilda Paullier. Para nossa surpresa (ou desespero), descobrimos que essa antiga colônia rural, de apenas 4000 habitantes, não possui hotéis, pousadas, ou qualquer acomodação. A partir de um bom bate papo com o proprietário do único posto de gasolina da cidade(onde calibramos os pneus da bicicleta), saímos de lá com uma esperança : o nome e o endereço de um senhor,  que alugava um quarto em sua residência, para os ‘passantes’, assim como nós! Mais do que um quarto, o gentil, alegre e saltitante, Senhor Porley, nos alugou sua casa inteira, por uma mixaria. Acendemos a lareira, tomamos um bom banho de ducha à gás, montamos na bike e exploramos os arredores.

Paramos no único bar da cidade, um lugarzinho bem “pé sujo”, sem mesas e cadeiras, e com apenas um balcão onde alguns bêbados se equilibravam. O cardápio estava fora de cogitação! A minha primeira impressão foi correr dali, mas, quem viaja de bicicleta assim, está sujeito à qualquer tipo de situação. Para a minha tranquilidade, fomos muito bem recepcionados pelo dono do bar que, além de improvisar duas cadeiras sujas , uma mesa imunda e um gato folgado, nos ofereceu um prato de queijos e frios feitos por ele próprio, para acompanhar a nossa cerveja gelada. E assim, a bela noite estrelada do Uruguai caiu sobre nossas cabeças, após relatarmos aos ouvidos e olhares curiosos, nossa fantástica historia de como chegamos de bicicleta até ali.

Sair do Brasil de Bicicleta - Gato folgado no Bar "pé sujo" em Ecilda Paullier. (Crédito: Márcia Procópio)

Viajando de Bicicleta – Gato folgado no Bar “pé sujo” em Ecilda Paullier. (Crédito: Márcia Procópio)

Partimos na manhã seguinte, saudosos e deixando saudades. Mas, para nossa surpresa, apesar do dia ensolarado, o vento mudou de direção. O frio começou a incomodar, o nariz não parava de escorrer, as mãos endureceram, as pernas não obedeciam. As ladeiras sem fim começaram a surgir, a paisagem ficou repetitiva, a música nos ouvidos parou de motivar e passou a emocionar. Quanto mais eu pedalava, menos eu saia do lugar ! As lágrimas escorriam !

Meu parceiro, com toda sua idade, experiência de vida e inteligência, decidiu fazer uma parada estratégica. Literalmente, paramos no meio do nada! Ficamos por alguns minutos à beira da estrada, deitados na grama do acostamento, contemplando o céu entrecortado por aviões, ouvindo o barulho dos carros e motos na Rota 1, descansando o corpo e a mente, refletindo sobre tudo aquilo pelo qual estávamos passando. Sem esse simples ato, tenho a plena convicção de que a viagem teria sido abortada antes mesmo de chegar ao destino final.

Rota 1, rumo à cidade de Libertad

Rota 1, rumo à cidade de Libertad

Após uma ligeira recomposição, enfrentamos a força do vento durante mais alguns km até encontrarmos a cidade de Libertad. Encostamos no primeiro restaurante à vista. Como chegamos pela periferia, a primeira impressão não foi das melhores. Mas pouco me importava a beleza ou seus atrativos, já que eu estava decidida a abortar o pedal do dia. O garçom que nos atendeu, nos trouxe a boa notícia de que a cidade possuía acomodação em algum lugar da rua principal. Procuramos e acabamos encontrando o pior hostel de toda a viagem . Naquela altura do campeonato, qualquer espelunca pareceria um Hotel 5 estrelas.

Depois de um banho gelado (já que o gás do chuveiro havia acabado), uma soneca no duro colchão mofado e uma troca de roupa estratégica (por causa do frio), resolvemos explorar a Avenida 25 de Agosto, cujo forte é o comércio de sapatarias. Descobrimos que estava rolando um festival de Rock na Praça Trinta e Tres Orientales, a maior e mais importante da cidade. Como toda boa cidade pequena, sempre que rola um evento importante, o comércio ‘ informal’ funciona com toda força. Na ocasião, resolvi provar todas as guloseimas que estavam sendo vendidas. Pra mim, era tudo novidade ! Comi um tal de pastel “disco voador”(devido o seu formato), que lembra o nosso pastel de vento( muita massa e quase nenhum recheio). Fora os refrigerantes da região, os quitutes, dentre outros.

Nossa noite terminou no maravilhoso PUNTO Restoràn e Pub. Além do excepcional atendimento, ambiente acolhedor, a cerveja Zillertal estava estupidamente gelada e a comida simplesmente perfeita ! Recomendadíssimo ! Dividi meu prato com meu parceiro pois, depois de tantas guloseimas na praça, o dia seguinte nos aguardava . Há essa altura do campeonato, já havíamos aberto o mapa do Uruguai dezenas de vezes, na certeza de que  nossa próxima parada seria a sonhada cidade de Montevidéu.

Sair do Brasil de Bicicleta - cerveja Zillertal no PUNTO Restoràn e Pub, em Libertad. (Crédito: Marcia Procopio)

Viajando de Bicicleta – cerveja Zillertal no PUNTO Restoràn e Pub, em Libertad. (Crédito: Márcia Procópio)

Essa aventura não para por aqui ! Como a cereja do bolo sempre fica para o final, no proximo post, concluirei a melhor parte do trajeto : de Montevidéu à Punta del este . Até mais !

1 comentário

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Sarah

Adorei a rota, estou me programando para fazer o mesmo, mas não encontrei o outro post de Montevidéu à Punta del este… Foi publicado? Outra coisa, o que vocês levaram para a bike? Como correntes, bombas para encher pneu, câmara de ar… O que você consideraria essencial de ser levado nessa viagem?
Parabéns pelo depoimento.
Abraços;

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